Como não se matar até os 21 anos?

Aviso de conteúdo: descrições gráficas de ideação suicida, crises existenciais e menção a métodos autodestrutivos.

Não vou te oferecer ilusões reconfortantes nem tentar te convencer com clichês sobre esperança. Não vou sugerir que você se agarre a Deus, a um animal de estimação ou a promessas de religiões. Nada disso vai te segurar à vida ou fazer o peso dela desaparecer. A vida é uma trama densa de dias e noites onde os problemas sempre voltam, como uma sombra que nunca te larga, não importa o quanto você caminhe. Nem as drogas, por mais que prometam fuga, conseguem apagar essa realidade.

Cedo ou tarde, você percebe. Seja ainda sob o efeito delas, seja quando encara as marcas que deixam – no corpo, na mente, no coração. Não é só coisa de quem perde o controle. Até quem usa com moderação acaba encarando a verdade que elas nunca apagam. É inevitável.

Vamos ao que interessa.

Desde os meus 15 anos, venho carregando uma promessa silenciosa: terminar com tudo aos 18. Mas aqui estou, aos 21, ainda lidando com a sombra das ideações suicidas. Elas não somem. Aparecem, às vezes, como uma saída tentadora, quase reconfortante. Mas o que mudou, com o tempo, foi minha relação com elas. Elas já não têm o mesmo controle.

Não se trata de superar, mas de conviver. Aprendi a deixar a dor fluir, como um rio que passa sem que eu precise mergulhar nele. E, por mais irônico que pareça, há algo libertador nisso. Não é sobre viver com a dor de forma resignada, mas sobre entender que não há como barrá-la. Ela chega, passa, e não posso segurá-la por muito tempo. O segredo foi permitir que ela aconteça, sem lutar. Porque, sejamos honestes, há um conforto sutil em desabafar para si mesme. Em soltar um suspiro profundo após uma noite de lágrimas e, ao acordar, perceber que, apesar de tudo, ainda existe algum alívio. Mesmo que temporário.

Se você me perguntar: "Por que não fez? O que te impediu?", a resposta é simples e complicada ao mesmo tempo. Falta de coragem, claro. Mas também algo mais profundo. Não é só medo da morte, mas da dor que causaria às poucas pessoas que amo. Por mais que minha mente tente me convencer de que sou um peso, eu sei, no fundo, que deixaria saudades. E isso me segura. Não sei por quanto tempo, mas é o que há de mais real em mim agora.

É curioso como a morte parece mais fácil de alcançar do que viver. Para chegar a ela, você precisa de uma coragem muito maior do que acha que tem. É uma decisão definitiva: atirar na própria cabeça, amarrar uma corda no pescoço. Mas, mesmo com tudo isso, uma parte de mim ainda se pergunta se teria coragem. Porque, por mais que minha mente me arraste para o abismo, há algo em mim que resiste. Nem sob o efeito de drogas, nem em um impulso desesperado, eu consigo acreditar que faria. As drogas dão um alívio momentâneo, uma felicidade fugaz, mas depois a vida volta, com seu peso todo.

O que percebo é que minhas ideações suicidas não vêm de uma tristeza passageira. São o reflexo de um cansaço existencial. Uma exaustão tão profunda que não se dissipa com nada. Uma parte de mim, cansada de tentar se encontrar em meio a essa confusão chamada vida, sussurra: "Seria tão mais fácil não estar aqui". Esse pensamento surge de repente, como um eco distante de uma vontade que nunca se concretiza. Antes, enquanto lavava a louça, eu olhava para uma faca e a via como uma possibilidade concreta, algo que me chamava, quase me seduzia. Hoje, esse impulso é mais distante. Não desapareceu, mas tornou-se mais fácil de ignorar. Como um espectro que aparece no canto da visão e logo some.

É isso que me mantém aqui: o medo, a falta de ação. E, talvez, essa falta de coragem seja o maior alívio que existe. Ela me impede de cruzar o ponto sem volta. Não é força de vontade, mas a falta dela. É uma fragilidade que, paradoxalmente, me protege. E, por mais estranho que pareça, há algo quase belo nisso. Porque viver, mesmo com toda a dor, é uma experiência cheia de nuances. Até a incapacidade de agir tem sua beleza, em sua limitação humana.

Não estou "curada" – isso não existe. A vontade de ir embora ainda está aqui, mas ela se tornou mais silenciosa. Já não grita; sussurra. A vida ainda pesa, mas esse peso parece menos sufocante. Não porque eu tenha encontrado algum sentido maior, mas porque continuo. É a inércia que me mantém aqui – e, talvez, seja isso que nos mantém: a ausência de escolha. A dúvida, o vazio, a incerteza. Isso me lembra do filme The Discovery, do Charlie McDowell, em que a descoberta da vida após a morte causa uma onda de suicídios, porque a certeza de algo além torna a vida ainda mais insuportável.

É curioso pensar assim. Porque eu já acreditei que a vida fosse uma prisão, que a liberdade só viria com a morte. Mas o que percebi é que é muito mais fácil continuar vivendo do que dar o último passo. A apatia, o cansaço, o medo – todos esses sentimentos se tornam mais familiares e suportáveis do que a ideia de realmente pôr fim a tudo. Não que isso seja bonito ou saudável. Não é. Mas é o que me mantém aqui. Eu vivo, não porque queira, mas porque não tenho coragem de não (sobre)viver. O medo de perder algo que sequer sei o que é me impede de dar esse passo definitivo.

E, talvez, no fundo, seja isso o que nos mantém em vida: a falta de ação. A inércia de não saber o que fazer com o vazio, a dúvida que persiste, a sensação de que há algo mais, mesmo que não saibamos o que é. Porque, no fim, as nossas escolhas não se fazem de maneira clara ou deliberada. Elas acontecem na ausência de escolhas, no espaço entre o que pensamos e o que deixamos de fazer. O que me impede de dar esse passo não é a vida, nem a morte. É o não-saber, a incerteza do que vem depois, e o fato de que, por mais forte que seja o desejo de ir embora, há algo – ainda que indefinido – que me mantém em movimento. Talvez, uma parte de mim saiba que, no fundo, não se trata de acabar, mas de continuar, mesmo sem saber para onde.