A Última Mentira do Tempo

O tempo não existe. Ou melhor, não da forma como acreditamos que ele existe. Ele não é um fio contínuo que se desenrola, nem uma linha reta que nos leva de um ponto a outro. O tempo, como nós o entendemos, é apenas uma invenção – uma mentira que contamos para dar estrutura ao caos. Ele se desfez há muito, entrelaçado com a nossa própria incapacidade de aceitar a fragmentação da existência.

Havia uma época em que tentávamos medir o tempo. Criamos relógios, relógios que corriam e marcavam as horas como se elas fossem algo sólido, algo tangível. Mas o tempo, esse engano, sempre escapou por entre os dedos. Como areia que, ao ser apertada, se desfaz e desaparece. E mesmo assim, seguimos, frenétiquys, buscando convencionar algo que nunca foi concreto, algo que nunca será.

Nosso erro foi acreditar que, ao fixá-lo em uma linha, poderíamos entender o que ele é. Tentamos definir a vida como uma sucessão de momentos. Quebramos tudo em minutos, em horas, e nos perdemos em cada uma dessas divisões, como se cada fragmento fosse uma verdade que tivesse de ser encontrada. Mas a verdade, no fim, é que as divisões não existem. Tudo é simultâneo. E o que chamamos de tempo é só a maneira que inventamos para não nos perdermos no abismo de nossa própria existência.

Cada segundo que passava era uma mentira. Não era uma progressão, mas uma repetição, um círculo vicioso de memórias que nos enganavam a crer em algo linear. E é nessa linha tortuosa que nos afundamos. Buscamos a certeza, a verdade, como se o tempo fosse um mestre a nos ensinar, como se cada momento fosse uma lição que teríamos de aprender. Mas o tempo, esse velho mentor, é nada mais do que uma farsa. Ele nunca nos ensina, ele nos engana. Ele nos diz que estamos indo para algum lugar, quando, na realidade, estamos apenas indo de volta para o começo, sempre, e nunca saindo de onde começamos.

E o que é a verdade senão a maior das mentiras que contamos? Vivemos nossas vidas baseados em algo que chamamos de real, mas que é meramente uma construção da mente. Criamos narrativas, buscamos explicações, fazemos suposições, mas no fundo sabemos que tudo o que nos resta é o vazio da incerteza. Cada certeza que alcançamos é uma mentira que nos contamos para afastar o medo do abismo que nos rodeia.

O tempo, esse que chamamos de amigo, é o maior dos mentirosos. Ele nos promete que a verdade está ao nosso alcance, que as respostas estão em algum lugar à frente. E nos movemos, corremos, tropeçamos, acreditando que há algo lá na frente, algo que vai finalmente nos dar a paz que tanto desejamos. Mas quando olhamos para trás, vemos que o que fizemos não foi correr para a frente, mas para um lugar que já existia. Um lugar onde a busca nunca cessou, onde o tempo nunca se moveu.

Talvez, no fim, o que buscamos não seja a verdade, mas a aceitação de que não há verdade. Talvez a única coisa que possamos possuir, de fato, seja o vazio. E, paradoxalmente, é nesse vazio que nos tornamos livres. Pois, ao aceitar o não-saber, ao nos permitir habitar esse abismo sem medo, nos libertamos da mentira que nos mantém prisioneirys de nossa própria ilusão.

O que acontece, então, quando paramos de correr atrás do tempo, quando deixamos de buscar as respostas, e simplesmente aceitamos o silêncio? Talvez seja isso que o tempo tenta nos ensinar, em sua mentira infinita. Que, ao olharmos para o abismo e deixarmos que ele nos engula, percebemos que não estamos realmente perdendo nada. Estamos, na verdade, encontrando tudo. O tempo não está nos levando para frente ou para trás. Ele está nos levando para o centro de nós mesmys, onde a última mentira finalmente se desfaz, e nos damos conta de que nunca existiu um ponto de chegada. Porque, no fim, o que chamamos de vida não é uma linha reta, mas uma espiral que nos leva de volta a cada momento, e a cada vez que chegamos ao ponto de partida, somos novys, como se nunca tivéssemos saído.

E assim seguimos, não mais em busca de respostas, mas abraçando a dúvida que nos define. Pois é nela que reside a liberdade, a verdadeira liberdade – aquela que só pode ser alcançada quando deixamos de tentar entender o tempo e começamos, finalmente, a viver fora de sua mentira.