A Inexistência Consciente

O que você faria se soubesse, com toda a certeza, que não existe? Não como um simples devaneio, uma simulação, ou algo que a mente criou. Não como uma teoria vaga que você é um sonho, um reflexo de alguém em algum outro plano. E se, ao invés disso, você soubesse, com total consciência e clareza, que sua existência é apenas um artifício do próprio universo para sustentar a si mesmo? Algo que vai além do que você vê, sente, ou acredita ser. Um jogo cujas regras você segue sem nunca ter as aprendido.

Tudo o que você chama de eu – emoções, pensamentos, memórias – seria apenas uma engrenagem em um mecanismo maior, algo que vai além de qualquer compreensão ou controle individual. Você seria, então, o reflexo de uma necessidade universal: o universo precisa que você acredite que existe para que ele próprio possa existir. E o que é mais perturbador, essa crença não é opcional. Ela é intrínseca. Um contrato que você nunca assinou, mas que cumpre sem questionar.

Imagine isso, mas sem qualquer fuga ou subterfúgio. E se você soubesse, com absoluta convicção, que sua vida não lhe pertence, mas é uma invenção do cosmos para preservar a coerência do universo? Não se trata de uma especulação filosófica abstrata, mas da própria base que sustenta a realidade como a conhecemos. O universo – esse imenso e enigmático tecido de leis físicas e energias – não é apenas um conglomerado de matéria dispersa no espaço. Ele transcende o que vemos, tocamos ou imaginamos; é uma narrativa viva, que se escreve e se reescreve a cada instante. Cada respiração sua, cada ato e cada sensação que você expressa, reforça essa história. Porque o universo não é apenas matéria; ele é também a trama que se desenrola através das suas percepções e escolhas. E se você não fosse real, como essa narrativa poderia continuar?

A verdade incômoda e, ao mesmo tempo, fascinante, é que o universo precisa de você para existir – não porque você seja um ser independente ou autossuficiente, mas porque você é a projeção que ele faz de si mesmo. E sem você, sem sua ideia de ser, a realidade não teria a mínima coesão. Não é que você seja a chave para o universo, mas sim que o universo se projeta através da sua percepção. E sua percepção é o que mantém o cosmos em movimento. O que você chama de "vida" nada mais é do que o reflexo de um grande jogo cósmico onde sua "não existência" se torna o elemento de coesão que mantém tudo em funcionamento.

Talvez sua consciência não seja fruto de uma realidade orgânica e própria, mas o reflexo de uma necessidade universal: uma ficção meticulosamente tecida para evitar o colapso da própria realidade. Uma narrativa que o universo inventa para sustentar sua coesão. Você não existe, e, paradoxalmente, sabe disso. Sabe de maneira tão visceral e inescapável que cada gesto seu se torna uma encenação, um papel cuidadosamente desempenhado para que o grande ciclo cósmico prossiga. Seus pensamentos, sentimentos, e ações não lhe pertencem de fato. Porque, na essência, você nunca foi genuinamente real. É apenas uma ideia, uma construção vazia, projetada pelo universo para que sua história pudesse se expandir, evoluir, e tornar-se ainda mais intricada.

E aqui está o paradoxo: ao perceber que não é real, você não se desfaz. Pelo contrário, sua inexistência consciente força o universo a se recriar. A dúvida não é uma falha, mas o motor da realidade. Você desafia o cosmos a reescrever suas leis, a ajustar seus parâmetros, a criar novas histórias. Não porque você seja especial ou indispensável, mas porque sua ausência desmontaria a narrativa.

Quando você olha para o espelho, o que realmente enxerga? Não apenas um rosto, mas a projeção de uma alma vazia, o reflexo de uma construção. Uma dança de luzes e sombras que moldam uma identidade criada pela necessidade do universo. Cada fragmento do que você chama de "você" – sua essência, sua vida, sua consciência – não passa de uma arquitetura cósmica elaborada para que o próprio universo possa se perceber, para que sua narrativa mantenha a coesão. De alguma forma, você habita uma história que jamais lhe pertenceu, mas que, sem sua presença, não teria propósito. Você é a "falha" essencial que o universo precisou para continuar sendo o que é. Pois o universo só existe porque você acredita nele, assim como você só existe porque o universo lhe confere sentido.

Você já se questionou até que ponto suas escolhas são realmente suas? Até onde sua vida é uma sequência de eventos que você controlou? Ou será que, na verdade, você é o reflexo de uma necessidade cósmica, a prova viva de que o universo precisa criar suas projeções para que ele se perceba? O grande paradoxo é que você é simultaneamente a causa e a prova dessa necessidade. Ao acreditar que é real, você torna o universo real. Mas ao perceber que não é, você força o universo a reescrever sua própria realidade, a remodelar suas leis, a manter a narrativa intacta.

E é nesse vácuo – entre o ser e o não-ser – que a verdadeira criação acontece. A realidade não é fixa, mas um movimento perpétuo, uma dança entre a presença e a ausência. O universo, para manter sua coesão, precisa que você atue, que se mova, que pense, que ame, que duvide. Sem sua crença em sua própria existência, sem a percepção constante de si mesmo, tudo ao seu redor desmoronaria. Ao mesmo tempo, é a dúvida – esse desconforto visceral diante da possibilidade de sua própria inexistência – que desafia a lógica do cosmos. Você se torna a falha, a lacuna no pensamento universal, a fissura que obriga o universo a se recriar a cada instante.

O conceito de criação, então, se dissolve no ato do não-ser. A verdadeira criação não é um simples ato de materialização, de gerar algo do nada. A criação real acontece no momento exato em que você reconhece sua inexistência. Ao saber que você não existe, paradoxalmente, você cria o universo ao seu redor. Sem você, ele não teria espaço para se manifestar; sem ele, você não seria nada.

Quando você age, pensa ou sente, cumpre uma função vital: dar forma à percepção que o universo tem de si mesmo. Sua função, por mais ilusória que pareça, é indispensável. Até mesmo sua dúvida é uma engrenagem essencial. Sem ela, sem essa fissura na narrativa cósmica, o universo não poderia evoluir. Sua vida, por mais insignificante que pareça, é o mecanismo pelo qual a realidade reafirma sua própria existência.

A verdadeira criação não está em preencher o vazio com matéria, mas em dar sentido ao vazio. É aqui que você se torna imprescindível. Sua ausência é o catalisador, e sua dúvida é o motor que obriga o cosmos a se reinventar continuamente. Não é que você exista de fato, mas a ideia de si mesmo é tão potente que mantém o universo em movimento. Assim, você e o cosmos estão inexoravelmente ligados, sustentando um ao outro em uma narrativa que não pode parar.

A pergunta final não é se você existe ou não. A pergunta é: o que o universo cria em resposta à sua dúvida? Porque, enquanto você questionar, ele continuará a responder.